Histórias de Moradores de Mogi das Cruzes

Esta página em parceria com o Museu da Pessoa é dedicada a compartilhar histórias e depoimentos dos Moradores da cidade.


História do Morador:
Osvaldo

Local: São Paulo
Publicado em: --

 



História: Expedições sísmicas

Sinopse

Osvaldo conta sobre sua infância em Mogi das Cruzes, o trabalho no Banco Moreira Salles, o cotidiano no nível científico do Colégio Presidente Roosevelt. Fala de seu curso de geologia na USP e a entrada na Petrobrás. Conta-nos sobre seu ensino no CENPES sobre geofísica e geologia, o cotidiano do trabalho nas equipes sísmicas e o pioneirismo na implantação de processamentos computadorizados de dados sísmicos no Brasil, nos anos 1960.

História

Eu nasci em São Paulo, no dia 11 de março de 1936, no Bairro da Boa Vista. Bela Vista, melhor dizendo. Que também é conhecida como Bixiga.

OS PAIS

Meu pai se chamava Olegário Duarte, e minha mãe, Maria Isabel de Oliveira Duarte. E é isso. Meu pai era vidraceiro. Ele colocava vidro, vidraça, assim, vidro nas janelas. Segundo ele me contou, ele trabalhou numa cervejaria. Ele tem histórias bastante interessantes. E antes ele trabalhou na Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Ele foi demitido porque salvou um trem de um acidente de proporções gigantescas. Acho que não cabe aqui contar a história, mas é uma história que daria até para fazer um livro. Ele entrou como guarda-freios nesse trabalho, de trem de carga, e naquele tempo não tinha esse sistema hidráulico, tudo, em que o maquinista aciona os freios. Os freios eram acionados à mão, vagão por vagão.

E o guarda-freios andava em cima do trem, tinha uma passarela em cima dos vagões. Então você imagina o que é andar naquela passarela, com o trem em movimento, apertando os freios. Com o passar... acho que ele trabalhou um ano, um ano e pouco, então ele foi promovido para chefe de trem. Ele viajava no último vagão, que chama cabuzi, e tinha um outro elemento que fazia esse trabalho perigoso dele, né? Então, um dia tem uma serra muito perigosa, que chama Serra de Botucatu, e o trem estava se aproximando para descer a serra. Então o guarda-freios, nessa ocasião, deve subir ao topo dos vagões e ir apertando um por um os freios, que tem uma roda assim, tem um pedaço de pau para apertar.

E o meu pai, lá no último vagão, que ele tomava conta lá das mercadorias que estavam no trem, ele já não fazia esse serviço, e ele notou que o trem estava desenvolvendo uma velocidade excessiva, estava aumentando a velocidade. Aí, como ele já tinha feito esse serviço, ele não titubeou. Ele saiu, pegou aquele pedaço de madeira que ele usava para apertar os freios e saiu percorrendo os vagões e apertando os freios. E o trem já numa velocidade quase fora de controle, porque ninguém tinha apertado os freios. Mas felizmente ele conseguiu pelo menos reduzir um pouco a velocidade, e o trem chegou em segurança na estação. Na estação ele foi procurar o guarda-freios. “Onde é que estava o guarda-freios?” O guarda-freios tinha tomado umas cachaças e estava dormindo lá dentro de um vagão cheio de capim.

Aí brigaram. Naquele tempo o pessoal andava tudo armado, né, o cara atirou no meu pai, o meu pai atirou nele. Nenhum acertou, nem nada, mas o fato foi levado à direção da estrada de ferro, e os dois foram demitidos. Essa é uma historinha interessante do meu pai. Então, depois disso ele se dedicou à profissão de vidraceiro. Ele andava em prédios novos, ou então antigos, substituindo ou então colocando. Eu cheguei a ajudar, às vezes. Eu ajudei muito pouco, porque ele não me envolvia nisso, mas quando era, assim, na minha cidade mesmo, eu levava os vidros e tal para fazer esse serviço. Minha mãe era costureira.

Minha mãe era costureira e ajudava também na despesa da casa. Então ela fazia vestidos, tal, coisas com aquele figurino e tal, e a minha casa era constantemente freqüentada por moças, senhoras de todas as idades. Porque ela cobrava muito barato, então tinha uma boa freguesia. Então ela fazia. Meu pai trabalhando como vidraceiro e ela trabalhando como costureira. Isso em Mogi das Cruzes.

AVÓS

Por parte de pai é dona Maria Duarte e Francisco Duarte, o meu avô. Por parte de mãe tinha João Xavier de Oliveira e Maria Augusta Xavier de Oliveira, que era a minha avó. Todo mundo brasileiro, de Minas. Eu tenho ascendência de espanhol, de português, de italiano. Mas a minha ascendência eu só consigo alcançar até o meu avô - daí para a frente eu não tenho, não tenho o nome das pessoas e coisas assim.

INFÂNCIA EM MOGI DAS CRUZES

Eu nasci, como eu falei, em 1936, aí em 1939 a gente se mudou para uma cidade chamada Mogi das Cruzes, numa rua que tem um nome interessante, chamava-se Cabo Diogo Oliver. É a única rua do Brasil, que eu conheço, que homenageia um cabo. Cabo, você sabe, hierarquicamente é bem baixo, né? Então a rua se chamava Cabo Diogo Oliver, em Mogi das Cruzes. Então eu saí de São Paulo com 3 anos, mais ou menos. E até os 8 anos, eu acho, eu morei em Mogi das Cruzes. E fiz o primeiro ano do primário em Mogi das Cruzes. Depois mudei para outra cidade, onde eu terminei o primário. Fiz o ginásio, que não tinha na minha cidade, e fiz numa cidade chamada Poá, que fica também na Central do Brasil. Depois disso eu fui trabalhar no Banco Moreira Sales, que atualmente se chama União de Bancos. Eu era arquivista. Trabalhei 2 anos só, depois eu passei para informante. Informante em banco não é dedo-duro, não, é a pessoa que faz, que trabalha com isso que você está fazendo aqui, que coleta informação dos clientes do banco.

Eu trabalhava de dia e estudava de noite no Colégio Presidente Roosevelt, que ficava ali no Bairro da Liberdade. Infelizmente acabou. Eu visitei São Paulo aí uns tempos atrás e tive o desprazer de constatar que o colégio em que estudei está em ruínas. Aí eu entrei na faculdade, tive de sair do banco. E quando eu estava trabalhando no banco eu fiz um planejamento para eu guardar todo o dinheiro para poder agüentar os 4 anos de faculdade. E foi quando o Brasil entrou na era da inflação. Então o dinheiro que eu tinha guardado para fazer 4 anos desapareceu em um ano.

A minha infância em Mogi foi muito gostosa. Eu estava falando para a sua colega aí, que uma coisa que eu tenho, que eu não sei explicar, porque as pessoas têm as coisas e acham que é natural. Eu tenho uma memória fabulosa de quando eu era criança, coisas que ninguém acredita, mas o que eu vou fazer, né? Então, a minha infância em Mogi das Cruzes foi interessante. A gente morava numa rua, que eu falei aí, que homenageava um cabo, e eu até hoje não sei o que esse cara fez. Provavelmente deve ter morrido, né, porque general é nome de rua e continua vivo, mas cabo, certamente, deve ter morrido. Era Cabo Diogo Oliver, 297, o número da nossa casa.

Então, eu cheguei lá, devia ter uns 3 para 4 anos, estava mal começando a andar. A rua, assim, não tinha calçamento, e quando chovia, então, a gente fazia represas com a água da chuva. Era uma coisa muito interessante, a vida lá na cidade também era interessante. Não havia violência, tinha o leiteiro que trazia garrafa de leite - antigamente era garrafa de vidro -, deixava na porta. Tinha o padeiro que passava também. E a gente vivia. Tinha os meus amigos, tinha a época de balão, aquelas coisas, aquelas festas todas. Aquilo para mim era tudo novidade. Apesar de a gente ser pobre, eu gostava muito daquilo.

PRIMÁRIO EM MOGI DAS CRUZES

Aí, já no fim da minha estadia lá em Mogi das Cruzes, foi quando eu entrei no primário, foi quando eu fui no primeiro ano do primário, no Grupo Escolar Coronel Almeida. Era um grupo que ficava lá no Largo da Matriz. E era interessante, porque eu acho que tinha umas 400 crianças que freqüentavam lá, e todas as crianças iam a pé, não havia esse negócio de levar de ônibus, de carro. Hoje em dia o pessoal mora a um quarteirão e tem que botar a criança no carro para levar.

Então eu andava, assim, mais ou menos um quilômetro. E foi o tempo da guerra também, que foi essa época, a época em que eu entrei na escola. E foi quando terminou a Segunda Guerra Mundial, que era uma coisa tremenda, as pessoas que mandavam os filhos para a guerra, que recebiam às vezes notícia que o filho morreu, estava desaparecido. Era mãe chorando para todo lado. Eu me lembro quando as tropas de Mogi das Cruzes embarcaram para a Itália. As tropas, os coitados dos caras iam todos enganados. Eles faziam os soldados acreditarem que era uma espécie de piquenique, e o cara levava vitrola, violão, pandeiro, sanfona. Parecia uma festa. E depois, quando terminou a guerra, os que voltaram, muitos voltaram aleijados ou com problemas sérios, problemas mentais sérios.

Quer dizer, era uma coisa terrível. Acho que a guerra, quem é a favor da guerra hoje em dia, tem qualquer coisa errada, porque é uma coisa que ninguém pode defender, é uma coisa execrável. Então, eu assisti o final da Segunda Guerra Mundial, aquela multidão de gente que passou a noite inteira gritando, pulando e festejando. E outras pessoas, aquelas que perderam filhos, maridos, tristes. Isso foi em Mogi das Cruzes também.

CIENTÍFICO NO COLÉGIO ROOSEVELT

A gente se mudou para uma outra cidade. Essa cidade hoje em dia está no mapa, mas naquele tempo não estava nem no mapa. Chama-se Ferraz de Vasconcelos, que é um município atualmente. E lá que eu completei o primário. Depois do primário, então eu fui fazer o ginásio. E não tinha ginásio na minha cidade, então eu fui numa cidade vizinha. Eu ia de bicicleta ou de trem, eu ia para o ginásio que ficava na cidade de Poá. Aí completei o ginásio, aí eu fui trabalhar em São Paulo.

Eu morava em Ferraz de Vasconcelos e saía de manhãzinha para ir trabalhar no Banco Moreira Sales, lá de São Paulo. E à noite, eu saía do banco e ia estudar no Colégio Presidente Roosevelt, que ficava na rua São Joaquim, na Liberdade, em São Paulo. Esse colégio que eu tive a decepção de ter visitado. Eu pensei que ia visitar o colégio, mas o prédio estava todo em ruínas, cheio de marginais dentro.

Foi no científico. Era o melhor colégio de São Paulo, chamava-se Presidente Roosevelt. E ali então eu estudei três anos no científico, e trabalhava de dia. Trabalhava de dia e estudava à noite. E era uma epopéia, porque... Vocês provavelmente não sabem, mas tinha bonde naquela época. Para ir para casa, o último trem saía da estação Presidente Roosevelt, também - a estação era chamada Presidente Roosevelt, também -, lá no Brás, e saía às 11 e 40 da noite.

Era o último trem que podia pegar. Se perdesse aquele trem, você tinha que dormir até o primeiro trem do dia seguinte. Então, a aula terminava lá pelas 10 horas, ou 10 e meia, ou 10 e 20, às vezes eu saía até um pouquinho antes. Então tinha que sair na rua São Joaquim, subir a pé a rua São Joaquim até - não sei como é que chama aquela rua - a Liberdade, e pegava um bonde que ia até a Praça da Sé. Lá eu fazia baldeação de bonde, pegava outro bonde que ia para o Brás, e no Brás eu saía e pegava o danado do trem, que não era o Trem das Onze, mas era o trem das 11 e 40, que me levava para casa, e que levava uma hora e meia. O trem, naquela época, estava em estado total de deterioração. A maioria dos vagões não tinha iluminação, e o teto, o pessoal arrancava aquela lona do teto. Era de madeira, não são esses trens modernos, não.

Então, quando chovia, chovia dentro do trem também. Então, normalmente tinha duas ou três pessoas em cada vagão, e eu então viajava ali e chegava em casa já meia-noite e meia, coisa desse tipo. Eu lembro que minha mãe tinha três cachorros, e ela tinha medo que eu fosse assaltado, então ela, quando o trem chegava, ela soltava os cachorros, que iam me encontrar, assim, todos correndo, fazendo festa, tal. E era quando eu jantava, porque eu jantava quando chegava em casa, à uma hora da manhã. Aí ia para a cama e levantava às seis horas da manhã do dia seguinte, para ir trabalhar. Começar tudo de novo. Então essa foi a minha rotina no período do científico.

Aí, no último ano do científico, esse colégio, como eu falei, esse Colégio Presidente Roosevelt era um colégio excelente. A gente fica triste em ver como o ensino público no Brasil deteriorou. Era um colégio que era muito melhor do que qualquer cursinho desses por fora. Era gratuito, era do governo, e era um padrão de excelência. Para você ter uma idéia, eu estava no terceiro ano e eu queria estudar geologia. O Juscelino Kubitschek, que era o presidente na época, tinha iniciado o curso de geologia, que ele disse que precisava de geólogo no Brasil etc. E eu então, no terceiro ano, sem ter condições de entrar na faculdade, porque eu não tinha ainda o diploma, eu fui fazer o vestibular para geologia. Quase passei, só teve uma matéria lá, que foi até, por incrível que pareça, foi até geologia mesmo, que eu fui reprovado. Eu passei em matemática, física, português, toda matéria, química, e quase fui reprovado em geologia. Porque não tinha no científico, né, essa matéria.

Mas eu fiquei muito contente, porque eu, imagina, sem ter completado o colegial, o científico, eu me saí tão bem. Aí no ano seguinte, aí eu fiz para valer, eu tinha concluído o científico. Eu fiz o vestibular e entrei em quarto lugar num grupo em que o número de candidatos, eu acho que era 270, uma coisa desse tipo. Eu consegui entrar em quarto lugar num grupo de 270 candidatos, sem fazer pré-vestibular nenhum, somente com o Colégio Presidente Roosevelt. Os professores eram gente da mais alta qualificação. Inclusive, tinha uma professora, que era professora de biologia, que ela era muito boa, mas ela era gordona, sabe, e ela numa aula lá explicou sobre o problema da ameba, como que era a ameba, como que a ameba vivia e tal, e os meninos, né, os meninos são muito maus, botaram o apelido dela de Amebona. E todo mundo conhecia ela por Amebona, e chegou num ponto que eu não lembrava mais do nome da mulher.

Aí, na prova de biologia, que eu fiz lá na faculdade, um dos examinadores era nada mais, nada menos, do que o irmão da Amebona. Aí, ele, conversando comigo e tal: “Onde é que você estudou e tal?” “Ah, estudei no Colégio Presidente Roosevelt e tal!” Ele falou: “Quem que foi a professora de biologia lá?” Ele sabia que era a irmã dele, né? Aí eu fiz de conta de que não me lembrava, porque eu não ia dizer. Eu sabia que ele era irmão dela, mas eu falei para ele que não me lembrava, tal, que era um lapso de memória, porque o nome que eu lembrava não podia dizer para ele. Mas foi esses acontecimentos aí que rodeavam.

Aí teve também, como eu falei, aquele dinheiro que eu tinha economizado para me manter nos quatro anos da faculdade, porque eu não podia trabalhar mais, e acabou em um ano por causa da inflação. O Juscelino, além das coisas boas que ele fez, ele inventou também a inflação. Mas ele inventou a inflação, mas inventou também a bolsa de estudos, né? Daí eu ganhei uma bolsa de estudos de um salário mínimo, ganhava um salário mínimo.

GEOLOGIA NA USP

Eu entrei na USP. Era na alameda Glete. Naquela época a Cidade Universitária ainda estava em construção, de maneira que a gente tinha aulas na alameda Glete, tinha aulas na Maria Antônia, na Faculdade de Filosofia, e tinha algumas aulas também na Cidade Universitária, que já tinha alguns departamentos lá na Cidade Universitária. Então eu ganhei essa bolsa de um salário mínimo, que na época dava para sustentar um casal com um filho, com decência. Então, o dinheiro, eu levava até dinheiro para casa, que era tanto, era bem folgado, né? Então, consegui me formar graças a essa ajuda que o presidente Juscelino Kubitschek me proporcionou. Como proporcionou para os outros também, né?

Olha, eu escolhi geologia porque quando eu estava no científico lá, apareceu esse programa de formação de geólogos. E eu não sabia bem o que era. Na realidade, eu só fui descobrir o que era quando comecei a estudar. Mas era um negócio, assim, que o pessoal falava: “Não, é o desenvolvimento nacional, o petróleo, não sei o quê, tal!” Então aquilo era uma mistura de bomba de gasolina com selva, com torres de petróleo e tal, e eu não fazia muita idéia do que era.

Aí eu entrei e vim a descobrir as matérias, aquele negócio todo. Havia um convênio com os Estados Unidos, tinha vários professores americanos, e eu me tornei amigo deles. Até há algum tempo eu me correspondia com eles. Então eu fui, como eu falei, eu fui conhecer a geologia entrando na faculdade, quer dizer, eu não sabia muito bem o que era aquilo. E enfrentei com sucesso os quatro anos. Hoje são cinco anos, mas naquela época eram quatro anos apenas, né? E me formei no final de 1963, me formei em 1963.

Nós tínhamos pouca convivência na Maria Antônia, muito pouco. Porque a gente tinha lá a parte que a gente freqüentava na Faculdade de Filosofia da Maria Antônia, e era, se eu não me engano, era a parte de matemática. O professor de matemática era lotado lá na Maria Antônia, então a gente ia ter as aulas de matemática lá. Mas era pouco. A gente, na realidade, não chegou a conviver com o pessoal de lá, havia uma briga muito grande. Em frente lá tem o Colégio Mackenzie, então de vez em quando havia troca de coquetel molotov entre os alunos, e coisas desse tipo. Mas a gente ficava mais ou menos marginalizado porque a gente ia lá muito pouco.

INGRESSO NA PETROBRAS

Aí foi então eu fui recrutado pela Petrobras. Na época não havia concurso. A Petrobras tinha necessidade absoluta de tudo quanto fosse geólogo que aparecesse. Eu fui, juntamente com mais uns quatro ou cinco lá, fomos recrutados pela Petrobras. Eu me lembro que eu queria trabalhar na Petrobras, agora, uma coisa que eu não queria era trabalhar na Amazônia. Então eu estava muito preocupado com aquele negócio e tal. Então eu morava em São Paulo, e a Petrobras, como é agora, era aqui no Rio. Aí procurei na lista telefônica o telefone da Petrobras, e tinha centenas de telefones da Petrobras, mas eu peguei lá um telefone e liguei, né, e liguei para a Presidência da Petrobras.

Por acaso. Daí eu expliquei, o cara atendeu lá, e eu falei: “Não, é que eu estou sendo recrutado aqui pela Petrobras, e eu não sei até agora para onde que eu vou ser mandado, e eu quero saber isso, porque se for para a Amazônia, por exemplo, eu não vou!” Aí o cara fala assim: “Ah é, você só vai para onde você quiser? Qual é o seu nome?” Aí eu percebi que a coisa estava ficando preta, daí eu desliguei sem dizer o meu nome, naturalmente. Porque ele naturalmente ia me tirar da lista, e assim eu tive a previdência de não dizer o meu nome. Então, foi assim que eu entrei na Petrobras.

IDA PARA A BAHIA

E fui para a Bahia. Eu fui para a Bahia. Me lembro até que o avião, que era um DC6, fez escala aqui no Aeroporto Santos Dumont, e todo passageiro desceu, daí eu quase perdi o avião. Eu estava andando ali nas cercanias, daqui a pouco estava o alto-falante estava dizendo: “Senhor passageiro Osvaldo de Oliveira Duarte, última chamada, tal, não sei o quê!” Aí eu entrei.

Cheguei na Bahia, depois eram as formalidades legais de assinar contrato, esse negócio todo, e ficou decidido que eu seria geofísico. A Petrobras tem o seguinte: geólogo, na Petrobras, ou ele fica como geólogo, ou fica como geofísico, que são duas coisas que a Petrobras precisa e que requerem um treinamento adicional. Então eu fui designado como geofísico e fui mandado para uma cidade que aqui provavelmente ninguém nunca ouviu falar, que se chama Massacará, que fica na divisa do Estado da Bahia com o Estado de Pernambuco, lá no extremo Norte. É uma cidade, a viagem de jipe levou oito horas, estrada não-pavimentada, o jipe pulando, as minhas costas já estavam todas lenhadas com aquele atrito, com aquele balanço do jipe, e acompanhado com poeira, tudo.

E a cidade, quando chegou, parecia uma cidade fantasma. A cidade era úmida, cheia de trepadeiras crescendo pelas paredes, era uma coisa. As pessoas abriam meia janela - as casas não tinham vidro -, olhando assim. Não passava veículo na cidade, então os veículos da equipe sísmica... eu esqueci de dizer que eu fui designado para trabalhar numa equipe sísmica de refração.

PROFESSOR NO CAGEF

Eu fui chefe do Setor de Geofísica do Depex, o antigo Depex, e depois eu fui chefe também do Setor de Geofísica do Cenpes, que é um outro departamento. No Cenpes eu fiquei pouco tempo, porque eles estavam tentando, não havia Setor de Geofísica, e eles estavam tentando criar um Setor de Geofísica. Mas por uma série de motivos a coisa não evoluiu. A gente não tinha gente, não tinha equipamento, não tinha computador, e eu acabei me transferindo para essa área onde eu me encontro hoje, que é a área de treinamento. Então eu gostava muito de ensinar. Eu nunca fiz curso, assim, de pedagogia, nem de técnica de ensino, mas modéstia à parte eu sou bem-sucedido - assim, as minhas aulas o pessoal adora e aprende.

O principal é que aprende, eu consigo transmitir, eu tenho facilidade de transmitir idéias, tecnologias às vezes extremamente complexas, eu consigo traduzir aquilo em palavras e ensinar. A Petrobras atualmente tem perto de uns 300 geofísicos. Desses 300 geofísicos aí, eu acho que uns 95% foram meus alunos. E eu tenho essa satisfação de ter colaborado para a formação desse pessoal. E esses geofísicos, não é que foram meus alunos – eles, além de serem meus alunos, eles foram fazer mestrado no exterior. Ali na Bahia tem, em Belém tem, tem diversas universidades brasileiras que fazem.

Mas, esse curso que eu dei, que tem uma sigla que chamava Cagef, sigla famosa que foi dada desde 1975, acho que até 1980, que foi o último Cagef que foi dado. Depois a Petrobras parou de contratar gente nova. Agora começou de novo. Então foi uma coisa muito gratificante para mim, porque realmente eu gosto de ensinar, eu conheço, eu tenho uma coisa, duas qualidades que é importante para a pessoa ensinar: eu conheço a tecnologia e tenho facilidade de transmitir a tecnologia. Então, sempre que eu encontro com eles, eles ficam relembrando os testes que eu dava, coisas desse tipo, né? Uma coisa que eles não gostavam na época é que todo dia de manhã, às oito horas da manhã, a primeira coisa que a gente fazia era um teste sobre o que foi dado na aula anterior.

Esse teste durava dez minutos só, tinha que ser entregue em dez minutos. E eles reclamavam: “Isso é uma coisa contra - como é que se diz - contra a humanidade, é um abuso do professor, tal!” Hoje em dia eles reconhecem, eles falam: “Olha, aqueles testes, foi com aqueles testes que eu aprendi.” Os testes não eram muito pesado, mas obrigavam o aluno a estudar o que tinha sido dado na aula anterior. O cara sabia, o cara sabia. A primeira coisa que acontecia na aula era um teste de dez minutos. Se o cara chegasse atrasado, ele fazia o que desse para fazer.

Era um sistema que eu fazia, e com isso, então, eu conseguia obrigar os meu alunos a manter a matéria em dia. Toda aula o cara ia para casa, porque ele sabia que ia ser cobrado no dia seguinte. E quando chegava no fim do mês, que era o teste, a prova final, eles não precisavam estudar, porque já estava tudo estudado e facilitava muito, né? Então, isso aí, eu comecei dando esses cursos no Cagef em 1975. Foi na Bahia. Eu trabalhava aqui no Rio de Janeiro, eu era até chefe da parte de programação, e eu me ausentava às vezes um mês, dois meses, para ir dar o curso lá em Salvador. O pessoal às vezes até não gostava muito. Mas eu gostava mesmo de dar.

CHEFE DE PROGRAMAÇÃO

Eu me lembro que isso quando começou, o meu chefe era o Wagner Freire, que já está aposentado da Petrobras, mas que foi também um dos caras responsáveis pelas descobertas aí da Bacia de Campos, da plataforma continental. Duas pessoas a que a Petrobras deve essa descoberta das marítimas, aí da plataforma, principalmente da Bacia de Campos. É um chamado Carlos Walter, que foi diretor, e o outro chamado Wagner Freire, que são duas pessoas espetaculares. Interessante que eles não se davam bem, mas se respeitavam tecnicamente.

Eles não se davam muito bem, não - eles tinham divergências. Mas tanto o Carlos Walter respeitava o Wagner, como o Wagner respeitava o Carlos Walter, porque os dois eram tecnicamente excelentes. E eles que tiveram pulso de mandar comprar computador. Um pulo no escuro, a gente nunca tinha feito isso. Mandou comprar um computador IBM que tomava todo um andar daquele edifício da avenida Chile, e fazer uma coisa inédita, fazer processamento computadorizado de dados sísmicos. Era uma coisa inédita na Petrobras, e que felizmente deu certo. Essa empresa, Western Geofisic, com que a gente tinha um contrato, era uma empresa muito boa, ela forneceu os programas em linguagem fonte, e a gente pegava os programas da própria Western e melhorava.

Pegava os programas e alterava, fazia coisas que a gente queria fazer. Uma das coisas que eu fiz, e que foi extraordinária na época, foi um programa de imageamento. Que antes disso, a gente fazia o levantamento sísmico, mas a gente via as estruturas como sombras, porque não era focalizado. Era uma espécie, assim, de sombra, não havia nitidez, não havia nada. Então, apareceu esse conceito que chama migração, o nome da técnica que se chama migração, e havia só uma companhia no mundo que tinha essa técnica, que era a GSI. E ela mandou os emissários dela para o mundo inteiro para tentar comprar serviços. E mandou para a Petrobras também.

Só que eles cometeram a imprudência de mandar o geofísico para fazer propaganda do programa deles, e ele fez uma reunião conosco e ele contou tantos detalhes, que depois que o cara foi embora a gente pegou e reproduziu o programa da GSI. Pois é, e fizemos então. A Petrobras durante um certo tempo foi a segunda companhia no mundo a ter um programa operacional de migração, que foi começado pelo Antônio Carlos Godói, que depois ele saiu da Petrobras, foi para a CPRM. Já falecido.

E ele deixou esse projeto no meio, e eu concluí. Então foi umadas coisas interessantes. Hoje em dia é uma coqueluche, o programa de migração hoje em dia está altamente sofisticado e tal, mas foi começado, foi feito nessas condições. Então é uma coisa também que todo mundo reconhece. Eu sou conhecido na Petrobras como Osvaldão. Então o pessoal fala: “Não, o Osvaldão, em 1974 ele fez o negócio, tal!” E funcionava direitinho. Aquele computador, você imagine fazer um programa desse com um computador de 250 K de memória. E a gente fazia, botava em disco, fazia um malabarismo danado, e a gente fazia todo esse negócio.

COORDENADOR DE CURSOS

A função mesmo é coordenador de cursos. O coordenador pode trabalhar como professor também, né? Então eu fico fazendo esse tipo de coisa. Atualmente eu estou fazendo mais a parte de coordenação, porque o volume de cursos é muito grande, e para dar aula você tem que preparar tudo com cuidado e tal, então não sobra tempo para preparar um negócio decente. Mas de vez em quando eu dou as minhas aulinhas. Atualmente mesmo eu tenho um grupo aí de trainees, e eu dei umas aulas para eles. Mas não é como no passado.

No passado era coisa pesada mesmo. Esse curso mesmo que eu falei, que tinha essa sigla chamada Cagef, era um curso eu acho que de três meses em seguida. Eram dois cursos na realidade: um era a Teoria dos Filtros, e o outro era o Processamento Sísmico. A Teoria de Filtros era mais matemática, e o Processamento era a aplicação dessas ferramentas matemáticas no processamento. Hoje em dia eu estou trabalhando ali na rua General Canabarro, que eles mudaram o nome do lugar onde eu trabalho, como foi mudado várias vezes. Inicialmente chamava Diven, que era Divisão de Ensino, depois passou para Censud, que era um Centro de Treinamento da Região Sul.

E tinha um também na Região Norte, na Bahia, que era Cenor. E agora passou a ter o nome de Universidade Corporativa, que eles estão se estruturando assim de uma maneira parecida com uma universidade. Tem instalações muito boas. E a gente faz treinamento tanto do pessoal antigo quanto do pessoal que está entrando, né? E é uma experiência grande, porque esse último presidente da Petrobras, ele mandou que a Petrobras contratasse uma quantidade da ordem de mil técnicos todos os anos.

Então, os elevadores lá do edifício onde eu trabalho, que se chama Ota Barbosa, você tem que usar escada, porque tem aluno andando para tudo quanto é lado, os elevadores estão superlotados, os banheiros estão superlotados, a sala de aula - está tudo cheio. É uma confusão danada. E eu estou nesse meio juntamente com um monte de técnicos, geólogos, engenheiro de produção, engenheiro de refino, tudo isso, nessa atividade concentrada lá na rua General Canabarro, onde tem a Universidade Corporativa.

EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL

Eu queria dizer que eu, além de ensinar geofísica no Cagef, como eu expliquei para você, eu ensinei geofísica também em vários países aí fora. Eu fui convidado, estive no Peru, estive na Líbia, estive na Argentina, estive no Iraque.

O Iraque foi uma aventura bastante interessante. Então a gente dava esse treinamento que a gente dava na Petrobras, e era usado, era uma empresa associada com a Petrobras, uma subsidiária chamada Braspetro, que foi extinta, né, agora eles estão querendo recriar de novo.

A Braspetro comprava blocos para exploração de petróleo nesses países todos, e uma coisa que eles ofereciam e se aproveitavam era da tecnologia da Petrobras. Então eles ofereciam cursos de Geologia, de Geofísica. Aí na parte da geofísica, de refino de petróleo, a parte de geofísica ,então eu era indicado para ir nesses lugares. Então eu estive em Bagdá, estive em Basra, ensinando lá o pessoal. E conhecendo também, porque a gente tem uma visão. Eu estive em Angola; em Angola eu estive duas vezes. Angola, eu não sei se você sabe, mas Angola conseguiu a independência em 1975, foi um negócio traumático, e eles consideram o Brasil, assim, como uma espécie de irmão mais velho, que fala a língua portuguesa e tal.

Então, eles estavam querendo lá começar o processamento de dados sísmicos, em geologia, tudo, e a Braspetro ganhava fácil isso, porque de concorrentes tinha a Itália, que naturalmente falava italiano, tinha o russo, que falava russo. Você já imaginou ensinar geofísica para quem fala a língua portuguesa, porque em Angola se fala a língua portuguesa, né? Então, a Braspetro ganhou muitas concorrências dessas por causa dos cursos que ela oferecia e que eu dei. Esse campo de petróleo lá do Iraque, que chama Basra, é o maior do mundo. O campo fica em Basra, mas o campo se chama Majnoon. Foi a Petrobras que descobriu. O maior campo de petróleo do mundo, que foi descoberto pelos técnicos da Petrobras.

Os dados eram registrados lá e eram processadom aqui no Rio de Janeiro, interpretados aqui no Rio de Janeiro, aí a locação dessa lá, que é do mesmo tipo que tem aqui, foi feita a locação, tudo, foi aprovada e encontraram uma quantidade imensa de óleo. É considerado o maior campo do mundo, que Basra fica lá bem perto do mar. Fica perto do Irã também, é quase divisa com o Irã, a gente vê as montanhas assim do lado do Irã, né? E é um lugar muito quente no verão, a tempateratura chega a 49 graus, é uma coisa terrível.

Mas eu dei aula lá na Universidade de Bagdá, dei aula também na Universidade Agostinho Neto, em Angola, dei aula para a Petro-Perú também, que os técnicos dela estavam necessitando de treinamento. E o centro de processamento na Líbia também foi eu e um outro colega chamado Paulo Novaes. Fomos lá também, escolhemos os computadores, os softwares, tudo.

EQUIPE DE SÍSMICA

A sísmica é uma espécie de ultra-sonografia da terra, em que você usa dinamite para produzir ondas elásticas, e depois há um processo para fazer a imagem do que está em baixo. E essa coisa tem uma parte que eu acho que nem a Petrobras mesmo conhece, que ela mandava o geofísico para se integrar a uma equipe americana contratada, e tinha diversas equipes trabalhando do Brasil, e essa equipe pertencia a uma companhia chamada United, e a idéia da Petrobras era mais ou menos a seguinte: mandava o estagiário para a equipe para ele aprender com o técnico estrangeiro, com o sismologista, como se chama o cara encarregado de interpretar as sessões, a tarefa, o trabalho de interpretar, de fazer esse tipo de levantamento.

Isso era o que a Petrobras pensava, mas não era isso o que acontecia. Por diversos motivos: um é que o sismologista americano, a última coisa que ele queria fazer era ensinar um técnico brasileiro a fazer o trabalho dele, para ele perder o emprego. Então, a gente ficava na equipe assim como uma espécie de presídio. Era uma cidade que não tinha absolutamente nada para se ver, uma cidade que estava em decadência. A gente ficava numas barracas, e as condições eram terríveis. A única coisa que era boa lá era a comida. Tinha comida à vontade, você podia comer do bom e do melhor, a Petrobras mantinha lá tudo de bom.

Agora, fora a comida, o resto era um terror. Na minha equipe, em particular, tinha os americanos que trabalhavam lá, e na realidade o chefe de campo não era nem americano, era canadense, mas o cara era assim meio, o cara tinha problema, bebia muito, tinha problema de responsabilidade, essa coisa e tal. Problema de segurança.

Essa zona em que a gente trabalhava era uma zona infestada de barbeiro. O barbeiro é um inseto que causa doença de Chagas. E ninguém tomava cuidado nenhum, não tinha mosquiteiro. Aliás, tinha uns mosquiteiros, mas tudo furado, rasgado, não servia para nada. Tinha malária, tinha um bicho que mordia assim, que eu nem me lembro o nome, esqueci o nome desse bicho, que fazia ferida quando mordia.

COTIDIANO NA SÍSMICA

Aquela área toda que é chamada Raso da Catarina. É muito perto lá da cidade de Canudos, que não existe mais, que foi inundada, e eu cheguei a ver o local lá antes da represa ser feita. Então, era um lugar terrível. Eu andava por lá e ficava imaginando como é que teria sido a Guerra de Canudos, aquele negócio todo, né? E a gente ficava lá, 130 marmanjos vivendo em barracas, não havia nada para se fazer. E no meu caso específico, como eu falei, o sismologista americano não tinha o menor desejo de ensinar nada.

Ficava lá sentado, lendo um livro, alguma coisa, porque ele não ensinava. Depois do terceiro mês é que ele me deixou fazer uma operação, que chamava de plotar as primeiras quebras do tiro, num papel quadriculado, que é uma tarefa absolutamente banal. Mas depois de três meses na equipe foi o primeiro serviço que eu fiz. A Petrobras não sabia o que estava acontecendo, para a Petrobras ele estava todo dia me ensinando e tal, como eram os esquemas, os métodos que eles estavam usando ali. E eu fiquei lá. Depois, as condições eram uma coisa terrível. Esses americanos, por exemplo, a gente tinha o acampamento base e tinha o acampamento volante, que ficava assim a 10, 15 quilômetros.

Então a gente ia de jipe e tal. Eu testemunhei várias vezes esse canadense no meio da estrada pegar água de chuva empoçada no meio da estrada e beber. Quer dizer, você veja, o cara não tinha amor nem à vida dele, né, aquela água com limo verde por cima, ele abria assim e bebia aquela água e achava que brasileiro também tinha que. Eu bebia água-de-coco, que lá tem muito coqueiral, então quando eu podia eu comprava, ou mesmo a equipe tinha lá em estoque, então em vez de beber essa água que não era tratada.

Essa coisa, os cuidados básicos, apesar de ser uma equipe americana, que todo mundo acha que americano é o supra-sumo assim dos cuidados e higiene, a coisa lá não era nada disso não. Então eu tomava muita água-de-coco. Mas chegou um ponto em que não agüentei mais, porque eu queria até me mudar para outra área da geologia, porque eu não agüentei. Daí eles me transferiram para uma equipe que era melhorzinha.

FOLGAS NO TRABALHO DE CAMPO

Antes disso, eu queria falar o seguinte: as condições, por exemplo, hoje em dia quem trabalha no campo tem a folga igual ao número de dias que ele trabalha. Por exemplo, se a pessoa trabalhar um mês, folga um mês. Um mês corrido folga um mês. Naquela época não, era o mesmo regime de folga que tem na cidade.

Então era cinco para dois, então dá 25 para dez, né? Quer dizer, você trabalhava 25 dias e tinha dez dias de folga, sendo que o dia de viagem de retorno para Salvador, que levava oito horas num jipe, estava dentro do dia da primeira folga. Então era uma coisa terrível. Quando eu chegava em Salvador - porque eu tinha um apartamento alugado em Salvador -, eu tinha que ficar o dia seguinte o dia todinho deitado me recuperando da viagem. Às vezes até mais de um dia para poder se recuperar da viagem. E era isso. Daí, passados os dez dias, a gente voltava para a equipe, e o pessoal, havia um desleixo total.

O pessoal quando chegava na equipe chegava tudo de camisa limpa, tudo assim, mas na medida que ia passando o tempo as pessoas já não usavam camisa, ou então a roupa era tudo suja, aquela coisa, uma coisa tremenda. Tinha uma espécie de revolta, o cara não fazia barba, parecia bandido. O grupo que eu trabalhava parecia um bando de marginal, de assaltante, assim, que cada um se expressava da sua maneira. Talvez aí a revolta daquilo, das situações. E tinha coisa que eu até tentei procurar fotos que eu tenho, mas não sei onde se encontram essas fotos. Situações, assim, interessantíssimas.

ALIMENTAÇÃO NO TRABALHO DE CAMPO

Eu estava perto de Alagoinhas - em Cipó, melhor dizendo, em Cipó, no interior da Bahia, e a gente tinha o acampamento base, que tinha um relativo conforto, e tinha o acampamento volante, que era onde a gente realmente trabalhava. E no acampamento volante então, na hora do almoço todo mundo parava e vinha uma picape trazendo então aqueles panelões com arroz, feijão, carne, farinha. Isso faz parte, né, para o pessoal almoçar.

E aí era interessante, né, porque tinha aquela picada, porque para você fazer o levantamento sísmico tem que abrir uma picada. Não é mato, porque é um negócio ralo, naquela vegetação lá do Raso da Catarina. Então ficavam os caminhões todos parados de um lado da estrada, e o pessoal então almoçava, e à medida em que o pessoal almoçava - e eu não sei por que razão, ficava todo mundo de um lado da estrada - e do outro lado da estrada iam surgindo meninos nus e meninas seminuas, assim só com um arremedo de vestido, calcinha, tal, assim, e ficavam em pé, parados do outro lado da estrada, assim uns 10, 15 meninos de 3 a 8 anos, todos parados, estáticos, olhando para o nosso lado sem dizer uma só palavra.

Todos os dias acontecia isso. E o pessoal almoçando ali sempre, comendo na hora da comida, e os meninos lá parados. Aí a gente tinha combinado, tinha umas embalagens que eram embalagens de dinamite, que era um plástico grosso e bom, né, então eu dizia: “Olha, se você vai comer você tira, para sobrar você não tira”. Então sobrava sempre um bocado de arroz, feijão, carne e a gente colocava, cada saco daquele a gente colocava arroz, carne, feijão, farofa, o que tivesse. E aí havia uma cena interessante: o encarregado atravessava para o outro lado da estrada, dava na mão de um, dois ou três meninos.

Parece que eles eram da mesma família, ou famílias amigas, né, e eles não se digladiavam, eles ficavam parados, não pediam nada. Então levavam, eles estendiam a mão, recebiam aquilo e sumiam no mato. Sem nunca eles falarem ou trocarem uma palavra. Tanto que para mim parecia uma coisa interessante que havia. Agora, eu não cheguei a viver isso, mas as condições lá na Amazônia, onde eu não queria ir. Não fui, não fui. Mas eram piores, lá realmente eram terríveis. Em vez de trabalhar 25 dias e folgar dez, trabalhava-se 40 dias e acho que folgava 15, era um negócio desse tipo. E era todo mundo em balsa, todo mundo vivia em balsa.

COMPOSIÇÃO DAS EQUIPES

E o geofísico, o técnico da Petrobras - e não era só no Amazonas, eu também era a mesma coisa -, o relacionamento que havia entre a Petrobras e o trainee, que a gente chama hoje de trainee, era uma coisa interessante, porque a gente era entregue assim como uma espécie de cachorrinho para o chefe da equipe americana, como um animal, um cavalo, uma coisa assim. O cara tinha autoridade total e absoluta sobre o trainee da Petrobras. Se houvesse alguma divergência, a palavra do chefe da equipe americana prevalecia sempre. Por mais razão que pudesse ter o trainee da Petrobras, ele estava sempre errado e era punido. As equipes de campo eram de mais ou menos 130 pessoas. É que tinha uma equipe sísmica.

Para você ter uma idéia, ela tem um chefe de equipe, que era americano; tinha o chefe de campo, que também era americano; tinha o chefe da oficina de mecânica dos veículos; tinha trabalhadores braçais que trabalhavam na oficina mecânica; tinha o cozinheiro; uma série de trabalhadores e auxiliares também; tinha o sismologista americano, que era encarregado do levantamento sísmico; tinha o sismologista substituto, que era americano também; e tinha o trainee da Petrobras, que pelo entendimento da Petrobras ficaria lá um ano junto com eles para aprender a arte de realizar a interpretação dos levantamentos sísmicos. E tudo também. A gente ia no campo, via as explosões, a dinamite, tudo.

O trainee era um só. O staff que a gente chama, que é a parte técnica, era composto do chefe da equipe, era o chefe de campo, o sismologista - todos eles americanos - e o trainee, que ficava junto com o sismologista. E tinha o topógrafo também, tinha auxiliar de topógrafo. Então, no conjunto eram 130 pessoas. Ah, no campo tinham sondas para fazer.

LEVANTAMENTO SÍSMICO

O levantamento sísmico é o seguinte: você tem que furar, fazer um furo uns dez metros no chão, coloca ali a carga de dinamite, que normalmente é uns seis, dez quilos de dinamite, e aquilo, a detonação é elétrica. Então tem um fio que é detonado por uma caixa que fica a uma certa distância. Então tem o pessoal que trabalha na sonda, então tem o sondador e os auxiliares de sondador. Aquilo leva, dependendo do solo, leva uma hora, duas horas para fazer um furo, então eles fazem três, quatro furos em cada posição, encarregado de dinamite, que já é uma outra equipe, que era o dinamiteiro que a gente chama.

Então ele vinha lá com a dinamite, colocava, colocava a espoleta. E tinha os sensores. Ali, o ponto de tiro é o lugar onde se produz a onda sísmica, que é equivalente à sonografia, aquele translutor que você coloca no corpo. Então, da mesma maneira que o tranlutor produz o ultra-som, a gente produzia lá infra-som, que é uma faixa do outro lado do espectro. E ali tem uns trabalhadores braçais que espalhavam uma espécie de microfones, que a gente chama de geofones, no chão.

São milhares e milhares de aparelhozinhos que são interligados com cabo, que são colocados no chão, quando num determinado momento então é feito o tiro e esses microfones então eles captam as ondas refletidas lá de baixo, que são gravadas depois já de um certo tempo. No começo não era nem gravado, mas depois de um certo tempo veio uma novidade para gravar em fita magnética, que era num caminhão especial, que era do operador. O operador, que também é outro que tem os seus auxiliares. Aquilo inicialmente era registrado em papel e chamava-se sismograma. Então a cabine chamava Casa Branca, né, então eles fechavam a cabine, detonava o tiro e havia o registro num papel fotográfico com uns três, quatro metros de comprimento, e esse registro tinha que ser revelado dentro da cabine.

Eu, como parte de meu treinamento, eu fiz isso. Então botava no revelador, contavam-se mentalmente dez segundos, depois tirava o revelador, botava no fixador, mais dez segundos, depois tinha um outro tanque com água pura que você colocava. Então, essas 130 pessoas que eu falei faziam esse tipo de serviço. E tinha também os que abriam picada. Tinha o trator, tinha dois tratores grandes com lâmina, que faziam a picada. E quando não podia o trator, tinha o pessoal com facão que abria a picada para poder fazer. Então, a distribuição dessas 130 era mais ou menos desse tipo.

PROCESSAMENTO DA INFORMAÇÃO

O estudo sísmico é feito basicamente da mesma maneira até hoje. O progresso que houve nisso aí foi o tratamento dos dados. Porque, como eu falei, antigamente você registrava num papel, esse que chama sismograma, e era o produto final. Então o sismologista tinha que ter muita imaginação para olhar naquele papel e ver as reflexões lá de baixo, e com isso então tentar desenhar a estrutura, a forma das estruturas geológicas e de superfície.

Era uma coisa terrível. O sismologista tinha que ter uma experiência muito grande - e muitas vezes ele errava nesse negócio, ele pintava uma estrutura que na realidade não correspondia à estrutura geológica, porque os dados eram completamente precários. Então, nessa época, que foi 1964, 1965, foi que veio uma série de aperfeiçoamentos no método de reflexão sísmica. Primeiramente foi o registro em fita magnética. Então você registrava e depois você podia reproduzir aquele sismograma com filtros etc., que favoreciam a interpretação. Depois o registro passou a ser feito em formato digital, e aí então foi criado um centro de processamento aqui no Rio de Janeiro.

Foi em 1969 que a Petrobras, que utilizava o serviço da United, que tinha um pequeno centro aqui no Rio de Janeiro, resolveu criar o centro de processamento de dados sísmicos, que hoje em dia está na avenida Chile. É aquele edifício alto lá perto da Catedral. Tem outras coisas lá, mas no décimo-quarto, décimo-quinto andar tem o centro de processamento, e que eu fui convocado junto com mais cinco outros para criar esse núcleo inicial de processamento geofísico. Então, eu era a parte de programação. A Petrobras tinha comprado o software de programação de uma empresa americana chamada Western Geofísic, mas além disso a gente também fazia os nossos programas aqui na Petrobras.

O programa Infortran, de codificação. Então, do grupinho lá, eu mais um outro colega chamado Antônio Carlos Godói, a gente se dedicava a fazer software de aplicação. Também era muito precário, a própria Western Geofísic estava também começando o processamento. Então eu era encarregado de codificar os programas. A gente tinha um computador que na época vieram até repórteres para filmar lá, fazer reportagem. Era o maior computador do Brasil. Era um IBM 360/44, que foi trazido de avião, foi fretado um avião para trazer ele aqui para o Brasil, para o Rio de Janeiro. E esse computador tinha a fantástica memória de 250 K.

Eu não sei se vocês estão familiarizados com isso, mas qualquer computador de mesa atualmente aí tem alguns gigabytes de memória, e o nosso computador, que pegava um andar inteiro ali do edifício central, que parecia geladeira, era tremendo, tinha 256 K de memória. E a gente, então, muito orgulhosos, a gente achava que aquilo - e era mesmo - era o supra-sumo da tecnologia, né? A memória dele era uma memória de núcleo, que eram uns anéis de ferrite, e tinha uns blocos desse tamanho, assim, que tinha 400 bytes. Então, era uma coisa tremenda, a tecnologia, em termos assim se a gente comparar o que é hoje e o que era na época.

Então eu tive a experiência que eu acho assim uma coisa, e na época eu não dava nem muito valor, mas a experiência de ver nascer o centro de processamento da Petrobras, que foi ali no sdifício Astória, na Senador Dantas, no Centro do Rio de Janeiro, décimo-sétimo andar. E a gente ficava lá fazendo esse tipo de coisa, e era incrível, era um grupinho de seis pessoas. Hoje, para você ter idéia, tem mais de 200 técnicos que trabalham com supercomputadores, com coisas extremamente sofisticadas. E a Petrobras na época também não tinha muito... Não é que não tivesse dinheiro não, mas não havia tempo para providenciar as coisas.

INTERPRETAÇÃO DOS DADOS SÍSMICOS

Um dos colegas meus que estavam lá, era até um japonês, ele se chamava Makoto Saito. Ele foi meu colega na Universidade de São Paulo e cabia a ele fazer a interpretação dos sismogramas, das seções que a gente produzia lá. E o fluxo de dados que chegava todo dia, que a Petrobras estava começando a fazer o levantamento da plataforma continental, no mar, então o levantamento no mar rende muito. No campo, que ele estava acostumado, levava-se um mês para fazer o registro de uns 20 quilômetros.

Era mais ou menos um quilômetro por dia que se registrava no campo. No mar eles registravam isso em algumas horas, o trabalho de um mês era registrado em algumas horas. Então gerava aquelas seções que eram todas enroladas, era um rolo, assim, contínuo, que eram enviadas lá para serem interpretadas, para a Petrobras poder fazer o que se chama de locação de poços, no mar.

E o Makoto era filho de japonês, e eles têm assim aquela filosofia assim, são meio doidos, você pode pedir, assim, as coisas mais impossíveis para ele que ele não reclama, aceita aquilo tacitamente, né? Então, ele que estava acostumado a interpretar 20, 25 quilômetros de linha terrestre por mês, passou a ter que interpretar o dobro por dia. E era uma tarefa impossível, e não tinha recurso nenhum.

O pior de tudo é o seguinte: a sala lá onde ele fazia isso não tinha nem mesa, nem cadeira, nem telefone, nem nada, era a sala no sentido mais simples da palavra. Então, ele desenrolava aqueles canudos que vinham lá dos navios, no chão, desenrolava já olhando a imagem, assim, uma imagem que já era mais perfeita das condições geológicas, né, então ele espalhava aquilo e ficava de longe, assim, observando os altos, que é uma coisa que em geofísica e geologia a gente chama de altos estruturais, que traduzindo em termos comuns, é como se fossem montanhas, assim, isso em superfície.

E esses altos são locais favoráveis para acumulação de óleo. O petróleo, nem sempre, mas freqüentemente, se acumula nos altos estruturais. Então, aquilo, o trabalho certo mesmo você teria que pegar aqueles horizontes, mapear, fazer um mapa de contorno, aquela coisa toda, mas não havia possibilidade de fazer aquilo, então o meu amigo Makoto olhava assim onde tinha um alto, ele ia lá, marcava, pintava de amarelo, e a interpretação se resumia nisso. Aí ele pegava aqueles dados, colocava num mapa, mapa topográfico da região, cercava aquilo e pintava de amarelo. Chamava na época as bolotas do Makoto, que correspondiam aos altos. E foi quando aconteceram as primeiras descobertas de petróleo na plataforma continental brasileira. No caso aí foi a área de Sergipe. Ele tinha umas quatro bolotas dessas interpretadas.

A primeira bolota furada deu seco; a segunda bolota deu alguma evidência de óleo; a terceira bolota furou e encontrou óleo em cheio. Foi quando começou, e aí foi uma sucessão de descobertas que culminou com a descoberta, mais aqui ao Sul, da Bacia de Campos, que foi em 1974, mais ou menos, que foi quando se descobriu a Bacia de Santos. E a gente já processando, fazendo então esse tratamento através do computador dos dados de reflexão sísmica. E a equipe era muito pequena. Mesmo depois que a gente veio contratando, a gente tinha aí umas seis ou sete pessoas só trabalhando nisso, e mesmo assim a gente conseguia sucessos tremendos. Eu me lembro quando a Bacia de Campos foi descoberta, todo mundo queria ser, como se costuma dizer, o pai da criança. Todo mundo. Uma vez houve um ministro da Marinha, que na Marinha tinha o seguinte conceito: como a plataforma continental é uma parte marítima, quem quer que fosse que descobrisse, o mérito era da Marinha.

Então, o cara foi na televisão lá para dizer, para explicar, como a gente está fazendo hoje, uma entrevista, e a entrevistadora - eu não me lembro o nome do ministro, e é bom até me lembrar, porque pode ofender pessoas, né? Mas ele era um tanto arrogante, ele era bastante arrogante. Então, a entrevistadora estava perguntando: “Mas, ministro, como é que vocês descobriram - vocês, a Marinha - o petróleo, que está dando tanto petróleo, esse sucesso todo? Como é que consegue descobrir petróleo no mar?” Aí, eu me lembro até hoje, que eu fixei a imagem do cara explicando. Ele falou: “Minha filha!” Ele tratava a entrevistadora com certo desdém. “Minha filha, é muito fácil. Você pega o radar, bota assim em cima do mar, e o radar conta para você onde que está o petróleo!” Então tinha presidente da República, ministro das Minas, todo mundo era responsável pela descoberta.

REUNIÃO DE LOCAÇÃO

A locação, que se chama reunião de locação, que é uma coisa até que se a Petrobras permitisse, vocês podiam até fazer um filme, porque é uma coisa digna de fazer. É como um julgamento. Atualmente, atualmente quando se vai fazer, propor um poço na Bacia de Campos, por exemplo, é um julgamento. Tem uma sala especial lá, que funciona como se fosse um tribunal, então o diretor, o superintendente, tal e coisa, vão lá, e os geofísicos e geólogos - eles trabalham sempre juntos, né, o geólogo e geofísico - que vão defender a locação. Daí ele vai com aquele material dele todo, com Powerpoint mostrando as seções sísmicas, a cores.

E hoje em dia tem uma sala de projeção lá em que você vê em três dimensões. É um cinema, assim, como se você estivesse dentro da tela. Você tem uns óculos especiais. Eu não sei se você conhece um sistema chamado Imax, que tem nos Estados Unidos? É exatamente o mesmo sistema. Você vê tudo em três dimensões, tudo processado por computador, tal. Mas na reunião de locação mesmo, em geral eles não chegam a esse negócio de três dimensões, porque a coisa é mais técnica. Mas então, vamos dizer, o geólogo e o geofísico que estão apresentando a locação, se eles estão apresentando eles são a favor, naturalmente, então eles vão defender: “Olha, essa locação a gente está propondo porque há uma evidência de que há um alto estrutural aqui nessa altura, a dois mil metros, mil e quinhentos metros, tanto que a gente tem a indicação de que deve ter óleo, e as nossas conclusões são baseadas no seguinte fato.”

Daí coloca as evidências, todos os dados de poços vizinhos, regiões, seções sísmicas. Hoje em dia você pode extrair dos dados sísmicos uma série de informações, que chamam atributo, né, então em alguns casos você pode até enxergar o óleo mesmo na seção. Então eles fazem. E tem o promotor. O promotor é o cara, é o advogado do diabo, né, que vai dizer: “Não, mas isso você está dizendo, mas isso aí pode não ser, não sei o quê, tal. A gente já furou um poço aí perto, não deu nada!” É um julgamento. Todo mundo que está ali é ou geólogo ou geofísico. Todo mundo.

É um julgamento. Então tem um que faz o papel do juiz, que é o chairman, que fica lá, que dá a palavra para um, dá a palavra para outro e tal. Inclusive, se o cara vê, se o chairman vê que é fraca a argumentação, ele dispensa, ele fala: “Olha, vocês levam a sua proposta lá para examinar melhor, porque está fraco.” Daí vem outra proposta, uma outra dupla de geólogo e geofísico, tal. Então, esse julgamento toma aí a manhã toda, vamos dizer assim, e é onde são apresentados dois, três projetos desse tipo, que são ou não aprovados. Aí então, se a locação for aprovada, quer dizer, há uma votação ali, inclusive com jurado e tal e coisa, a locação entra para o arquivo de futuros poços a serem furados. Porque uma vez aprovado ela não é imediatamente furada, tem um arquivo, uma espécie de fila.

Então, nós estávamos falando da reunião de locação, que é um julgamento. Um julgamento, só que não é de pessoas, é de projeto. Então tem os advogados de defesa, tem o advogado de acusação, tem o juiz e tem os jurados. Dependendo da reunião, às vezes é passado, é feito uma espécie de plebiscito para ver quem é a favor e de quem é contra.

Por exemplo, tem uma proposta que não é muito clara, assim, que seja boa, então há uma votação. Então os geólogos e os geofísicos presentes expressam a sua opinião, e isso às vezes leva à aprovação, ou não, da locação. Então, uma vez aprovada a locação, ela fica numa fila esperando a vez para ser furada, né? Aí quando chega a oportunidade, então é colocada uma sonda na posição, e a sonda então vai tentar encontrar aquilo que o cara estava vendo na seção sísmica. Então às vezes encontra, às vezes não encontra. A probabilidade de não encontrar é bem maior, a estatística é assim de um para dez. A cada dez furos que você faz, você acha óleo em um.

Tem o chairman, que normalmente é o superintendente, que é o cara que pode até abortar uma reunião dessa. Ele fala: “Olha, isso que você está apresentando aí não vale nada, vamos parar com isso, vamos pegar o próximo projeto aí e tal!” E esse faz o papel de juiz, e traduzi como sendo o juiz. Tem os proponentes da locação, que seriam então os advogados de defesa, né?

Tem o promotor, que o chairman designa um ou mais geólogos e geofísicos para fazer perguntas para derrubar o negócio mesmo, para questionar. A função dele é cascavinhar falhas no projeto, coisas que o cara não viu. Porque o cara é competente, o cara que faz esse papel, ele tem a mesma formação dos outros, quer dizer, ele enxerga. E tem os jurados, que eu traduzi como jurados, que são os que assistem ali. Então, nessas reuniões de locações há uma série de convidados, e tem gente também que participa sempre. Então, de vez em quando há uma votação: “Vamos fazer uma votação: você aprova?” Então tem lá umas 15 ou 20 pessoas, então às vezes esse voto serve para fazer a cabeça lá do juiz, do chairman.

TRABALHO EM ÁGUAS PROFUNDAS

No Brasil a estatística de descoberta de petróleo é um pouquinho melhor do que a estatística mundial. Um para dez é a estatística mundial. Então é um negócio de grande risco, grande dispêndio de dinheiro. Um levantamento sísmico feito no mar, atualmente, que isso se chama técnica 3D, custa na base de cinco a seis milhões de dólares. Então, produz aquelas imagens que a gente vê quase como se fossem reais, né? Mas mesmo assim, às vezes tem tudo para o petróleo estar lá e ele não está. Ou às vezes está em quantidade que não é comercial.

Então, é assim que é feito. A Petrobras, você provavelmente saiba, ela é pioneira na exploração de águas profundas. O petróleo no Brasil, ele felizmente, eles começaram a furar na parte rasa e viram que o grosso do petróleo mesmo está em águas profundas, mais de mil metros de profundidade. Hoje em dia está a mais de dois mil metros, estão furando a mais de dois mil metros. Teve uma época aí que a Petrobras era a campeã mundial de profundidade de lâmina d’água. O pessoal aí fora respeita muito a Petrobras, ainda mais quando aparece nesses congressos e tudo, é muito respeitada. O pessoal até brinca: “No conceito de água profunda, todo ano a Petrobras muda.

Antigamente era 200 metros, depois passou para mil metros, agora é dois mil metros!” Porque a Petrobras realmente desenvolveu uma tecnologia. Isso, alguns anos passados, ninguém conseguia furar além de 100 metros de água, porque a 100 metros é a profundidade que o mergulhador consegue descer. E tem umas estruturas, a perfuração envolve umas estruturas de revestimento que ficam no fundo do mar, então aquilo sem a presença humana é uma coisa complicadíssima para você fazer. Você imagine que quando está se furando o poço, a broca tem que periodicamente ser trocada, então um poço, que é aquela tubulação toda, que vai a dois mil metros de profundidade, então quando a broca fica ruim, fica gasta, você tem que tirar aquela tubulação toda.

Cada segmento daquele tem dez metros de comprimento, né, então para fazer dois mil metros, você imagina quantos segmentos tem. Então tem que tirar um por um, ir puxando, até que a broca saia do fundo do mar e vai carregada, e lá na superfície a broca é substituída por uma broca nova. E é aí que tem um problema: você tem que descer a broca em um furo que tem 12 polegadas, ou 30 centímetros, no fundo do mar, a dois mil metros de profundidade. Então, aí não há mergulhador que desça, com a pressão hidrostática nenhum mergulhador consegue. Há todo um sistema de tecnologia, de controle remoto, que a Petrobras desenvolveu, que permite fazer essa operação em segurança. E a Petrobras já ganhou vários prêmios nessa área. Hoje em dia outras companhias também estão conseguindo operar em águas profundas, mas a Petrobras foi a pioneira nessa tecnologia. Então há uma interação.

A sísmica, que é a área em que eu trabalho - que eu trabalhava, agora eu trabalho em recursos humanos, para treinar, para ensinar geofísica para os geofísicos recém-contratados -, ela age concomitante também com a tecnologia das sondas, que também é um negócio complicadíssimo. A geologia, são várias ciências, a engenharia, tudo, que se juntam para um objetivo comum. Então é isso mais ou menos o que acontece na reunião de locação. Então, resumindo, na reunião de locação você faz um levantamento, o levantamento hoje em dia normalmente é 3D, né, que é caríssimo, e do levantamento é feito o processamento dos dados, e do processamento então, surge uma imagem tridimensional de subsuperfície, que os geólogos e geofísicos interpretam.

Então, depois dessa interpretação pode haver algumas estruturas interessantes, que são submetidas à tal de reunião de locação, e que se for aprovada a locação, então ela é furada. E aí, se encontrar petróleo, e a coisa ainda não acaba aí, se encontrar petróleo a sonda sai dali, porque essa sonda que fura não tira o petróleo, ela só serve para furar. Aí se retira, vai para outro lugar trabalhar, e aí é instalada a sonda de produção em cima do poço, que aí então vão colocar aquele equipamento que chamam árvore de Natal no fundo do poço. Tudo com controle remoto também, porque não há como descer alguém lá em baixo. Então aqueles equipamentos extremamente complexos que são atarraxados da boca do poço para fazer a tubulação que vai levar o petróleo para a superfície, aquela ramificação toda. Isso daí tudo é uma tecnologia que a Petrobras domina desde a prospecção até a produção da Bacia de Campos.

É uma coisa que infelizmente a Petrobras não sabe cacarejar. Dizem que o ovo do pato, da pata, melhor dizendo, é tão nutritivo quanto o ovo da galinha, mas todo mundo gosta do ovo da galinha, porque a galinha, quando bota, cacareja. Então, os brasileiros não dão muito valor para a Petrobras, tem alguns que até são contra, dizem coisas negativas, sem saber, sobre a Petrobras. Mas a Petrobras é uma das coisas que deram certo. E é empresa estatal, porque até pouco tempo a Petrobras era uma empresa de economia mista, mas tem uma grande participação do governo. É um exemplo fabuloso de iniciativa do governo, que deu certo. Os funcionários da Petrobras são considerados como de grande capacidade, e é uma satisfação a gente viver isso e trabalhar para uma empresa que tem esse gabarito, embora não seja muito reconhecido. Lá fora é muito reconhecido, lá fora a Petrobras é respeitadíssima.

No julgamento final da locação existem dois pais. O pai da criança são dois, talvez fosse o pai e a mãe, né? É o geólogo e o geofísico que propõe a locação. Então, se a locação der óleo, por exemplo, ele fica todo orgulhoso, todo mundo dando parabéns para os caras. Agora, evidentemente que esse é um produto de uma equipe muito grande, né, que vai desde o levantamento sísmico bem feito, tal. Isso aí é mais ou menos comparando, é como os astronautas na Nasa, eles são funcionários comuns dentro do contexto. E ninguém fala também, ninguém fala, porque aquilo é um produto da equipe. Ele não acharia se não tivesse o apoio de muita gente trabalhando. Como também o cara que coloca a sonda lá e acha, ele pode dizer a mesma coisa: “Não, eu achei, tal!” Mas não existe isso não, não existe. Há só uma espécie de alegria, assim, que a pessoa tem. Por exemplo, uma coisa que pouquíssima gente sabe é essas bolotas que eu acabei de contar para vocês, do Makoto, né, o Makoto Saito, que foi meu colega de universidade. Então, esse colega meu, o Makoto, que eu tinha falado, ele fez as bolotas.

Para você ter idéia da situação, talvez, se não fossem essas bolotas amarelas do Makoto, a gente não estivesse explorando a Bacia de Campos. Pelo seguinte: antes, acho que até 1964, quando eu entrei na Petrobras, tinha um americano, um geólogo famoso, um geólogo americano famoso que praticamente construiu a Petrobras nos moldes Standard Oil Company. E ele fez um trabalho excelente. O Getúlio, que foi o idealizador da Petrobras, teve a clarividência de contratar quem sabe fazer as coisas para fazer: mister Link. Esse cara ficou um ícone na Petrobras, tanto para o lado bom, quanto para o lado ruim, porque os nacionalistas diziam que ele estava querendo roubar o petróleo brasileiro. Mas ele era um engenheiro muito competente. Toda essa estrutura que a Petrobras tem hoje, basicamente foi criada por ele. E grande parte do sucesso, eu particularmente, atribuo à eficiência dessa estrutura, que foi igual à estrutura da Standard Oil que tinha por lá.

Ele cumpriu. Ele tinha carta-branca, o Getúlio deu carta-branca para ele contratar quem quisesse, despedir quem quisesse. Político não interferia. Mesmo depois dele ter saído eu testemunhei casos de senadores pedindo favores para colocar gente na Petrobras, para transferir afilhado de um lugar para outro. A Petrobras não atendia esse pessoal, mandava uma cartinha dizendo: “Infelizmente não podemos atender o seu pedido!” Você imaginou escrever uma carta dessa para um deputado federal, para um senador? Eu presenciei esse tipo de coisa. Infelizmente hoje essa coisa já está um pouco mais fraca. Mas a coisa era estritamente técnica. Mas o problema, o ponto em que eu queria chegar é o seguinte: as bacias brasileiras, as bacias sedimentares. Eu devia ter falado no início.

O petróleo só ocorre em bacias sedimentares, onde tem sedimento, que tem tanto em terra quanto no mar. Então, o mister Link, não ele mesmo, mas através dos geólogos americanos lá que ele contratava, ele fez um levantamento e classificou as bacias brasileiras em quatro níveis. Esses quatro níveis eram A, B, C e D. A, eram bacias como o Recôncavo Baiano, onde comprovadamente tinha petróleo; B, eram bacias em que havia indícios de petróleo; C, eram bacias que não tinham indícios, mas talvez no futuro pudesse a gente investigar alguma coisa. E D eram bacias que definitivamente não interessavam, não tinham a menor possibilidade de encontrar petróleo. Pois bem, a nossa Bacia de Campos era C, na classificação dele.

Você vê, era uma bacia que não era muito interessante para se pesquisar petróleo. Além do fato de estar no mar, porque a despesa de perfuração no mar é uma coisa terrível. Um poço desses que dá seco é um prejuízo tremendo. E dentro daquele joguinho: você fura dez para achar um. Então, a Bacia de Campos estava na classificação - a Bacia de Campos e as outras também -, estava dentro dessa classificação pouco otimista de encontrar petróleo, quando apareceram as ditas bolotas amarelas, que mostraram que a plataforma continental brasileira tinha petróleo. Então a categoria subiu logo para B, depois rapidamente foi para A.

E foi por isso. Então, talvez, né, porque a gente nunca sabe o que aconteceria se uma determinada coisa não tivesse acontecido, mas talvez se não fossem essas descobertas aí desse grupinho, meia dúzia de pioneiros, né, de que eu fiz parte. Eu fiz parte não da interpretação, não tenho mérito nenhum da descoberta, nem da Bacia de Campos, nem da Bacia de Sergipe, a não ser ter feito parte do processamento dos dados. Mas talvez se não houvesse essa junção de sorte com capacidade tecnológica desse pessoal, a gente não tivesse hoje essas descobertas na plataforma continental.

TRABALHO DO GEÓLOGO

O geólogo, como o nome diz, ele estuda a terra, ele estuda os processos sedimentares, a formação das rochas, a composição das rochas, a qualidade, parâmetros como porosidade, impermeabilidade, intensidade, tudo isso. E o histórico, o principal que ele estuda, é como é que as rochas se formam. Por exemplo, só para dar uma idéia, na plataforma continental é como se fossem os Alpes, assim, então periodicamente há avalanches nos Alpes. Então, na plataforma continental também há esse tipo de coisa. De vez em quando aqueles sedimentos todos que estão sendo acumulados durante anos e anos na plataforma, eles ficam instáveis e há uma avalanche em que eles se aprofundam, são deslocados para as posições mais fundas, seguindo canais, seguindo depressões, tal. Esse tipo de coisa é uma situação favorável. Os sedimentos que resultam desse tipo de avalanche - eu estou dizendo avalanche, mas tem um termo técnico que se chama corrente de turbidez -, que é uma coisa terrível que a gente não vê porque está debaixo do mar.

É uma coisa que acontece lá. Antigamente esses cabos submarinos eram cortados quando acontecia isso. Interrompiam, por exemplo, os cabos submarinos que ligavam Estados Unidos com a Europa, para Inglaterra, coisas assim, telegráficos. Então quando havia fenômenos desses às vezes rompiam cabos submarinos. É um negócio bem grande. E esse tipo de fenômeno o geólogo consegue enxergar olhando a sessão sísmica. Porque na sessão sísmica é tudo estático, então ele olha aquilo e sabe se aquele sedimento acumulou de baixo para cima, ou de cima para baixo, se é sedimento terrestre, se é sedimento marinho. Então, esse movimento todo, isso é uma coisa também que levaria horas para explicar.

Mas o petróleo, só para fazer um pequeno parênteses, tem origem nesses animais e plantas que vivem na superfície do mar, que chama plâncton, o nome técnico é plâncton. Embora minúsculos, são animais microscópicos, mas eles existem aos bilhões. Então, quando eles morrem, esse material orgânico deles vai para o fundo do mar, essas avalanches levam lá para o lugar mais fundo, e durante uns cinco, seis milhões de anos esse material é quimicamente alterado e vira petróleo. Esse petróleo, então, se desloca lá dentro e vai para os altos, das bolotas que eu falei anteriormente, e o geólogo, olhando as sessões sísmicas, tenta descobrir onde está esse óleo.

TRABALHO DO GEOFÍSICO

O geofísico, ele atualmente é encarregado da coleta de dados. Ele vai lá no campo, ele coloca dinamite, se encarrega do registro digital daquilo e, principalmente, do processamento. Esses dados então, como eu falei, do programa de migração, é um programa que pega aqueles dados brutos que vêm do campo, e você não vê nada. Infelizmente eu não trouxe aqui nenhum exemplo para mostrar para vocês. Mas se você olhar o dado bruto que é recebido no campo, você não enxerga nada, você vê uma confusão de sinais.

Agora, depois que você processa, é como você cortar um bolo, você vê tudo lá em baixo, naturalmente dentro de certos limites de precisão. E essa é a tarefa do geofísico, né? O geofísico é a parte matemática, é a parte física da coisa, que ele entende de propagação de ondas, esse negócio todo, e faz então. Tudo isso no final é traduzido em programas de computador, que fazem o imageamento. O termo moderno para isso daí é imageamento das estruturas geológicas de subsuperfícies.

ENTREVISTA

Achei ótimo, vocês são muito profissionais. eu realmente fiquei surpreso porque eu pensei que ia ser um negócio assim meio improvisado, meio simples, uma coisa simples, improvisada, e eu estou vendo aqui que tem gente de alta qualificação, que eu fiquei até um pouco amedrontado de fazer alguma coisa errada. E parabéns, eu quero dar os parabéns aí para todo mundo, e estou satisfeito. Espero que a Petrobras fique satisfeita também com o trabalho de vocês.

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